Amália é a quinta criança de uma família de nove filhos. A família é pobre, a mortalidade infantil é grande e a pneumónica alastra: os seus irmãos José e António, morrem ainda meninos. Depois de Amália nasceram mais quatro meninas, das quais uma (Maria da Glória) logo morre e outra (Aninhas) morre aos dezasseis anos.
A avó, analfabeta, manda-a para a escola da Câmara Municipal de Lisboa, na Tapada da Ajuda aos nove anos. No caminho come figos de piteira e rouba florinhas para levar à professora. Gosta imenso da escola e nada a impede de ir, nem mesmo a sua bronquite asmática. Aprende as lições de ouvido e chamam-lhe «sabichona». Mas uma coisa não lhe entra na cabeça: Geografia! A professora insiste para que ela compre o livro – o seu primeiro livro. Quando mais tarde é obrigada a comprar outro, a avó pergunta-lhe: «Aquele ainda está novo, para que queres outro?».
Na escola é obrigatória a bata branca por cima do vestido. Lá vai
Amália a caminho da escola e, por entre o arvoredo, o cântico dos pássaros dilata o espaço.
Faz o exame de instrução primária e, como todas as meninas, leva o seu vestido novo de crepe-da-china azul turquesa às pregas, feito pela primeira vez numa modista. Depois do exame nunca mais o há-de vestir - ficará a aguardar uma outra ocasião importante… Tem doze anos e para ela a escola acabou!
Amália Rodrigues Amália da Piedade Rodrigues, filha de um musico sapateiro que para sustar os seus quatros filhos e a sua mulher tentou a sua sorte em Lisboa, terá nascido segundo o seu assento de nascimento as cinco horas de 23 de Julho de 1920 na rua Martim Vaz, na freguesia lisboeta da Pena. Amália pretendia, no entanto, que o seu aniversario era celebrado a 1 de Julho ("no tempo das cerejas"), dizia : talvez por ser essa a altura do mes em que havia dinheiro para me comprarem os presentes. Catorze meses depois o pai não arranjando trabalho a família volta para o Fundão mas Amália fica com os avos na capital. A sua faceta de cantora cedo se revela. Amália era muito tímida, mas começa cantando para o avo e os vizinhos que lhe pediam. Na infância e juventude, cantarolava tangos de Carlos Gardel e canções populares que ouvia e lhe pediam para cantar. Aos 9 anos, a avo analfabeta manda Amália para a escola, que gosta tanto de frequentar, mas aos 12 anos tem que interromper a sua escolaridade como era frequente nas casa pobre. Escolhe entoa o oficio de bordadeira mas depressa muda para ir embrulhar bolos. Aos 14 anos decide ir viver com os pais que regressaram entretanto a Lisboa. Mas a vida não e tão boa como em casa do avos, tinha que ajudar a mãe e aguentar o irmão mais velho, autoritário. Aos 15 anos, vai vender fruta para a zona do Cais da Rocha, e torna-se notada devido ao especialíssimo timbre de voz. Integra a Marcha Popular de Alcântara (nas festividades de Santo António de Lisboa) de 1936. O ensaiador da Marcha insiste para que Amália se inscreva numa prova de descoberta de talentos, chamada Concurso da Primavera em que se disputava o titulo de Rainha do Fado. Amália acabara por nao participar, pois todas as outras concorrentes se recusavam a competir com ela. Conhece nessa altura o seu futuro marido Francisco da Cruz, um guitarrista amador, com o qual casará em 1940. Um assistente recomenda-a para a casa de fados mais famosa de então, o Retiro da Severa, mas Amália acaba por recusar esse convite, e depois adiar a resposta, pois só em 1939 ira cantar nessa casa.
Amália Rodrigues alcança tremendo êxito no Retiro da Severa, onde faz a sua estreia profissional e torna-se a vedeta do fado com uma rapidez notável. Passa a actuar também no Solar da Alegria e no Café Luso. Sendo o nome mais conhecido de todos os cantores de fado, faz com que por onde actuasse as lotações se esgotem, inflacionando o preço dos bilhetes. Em poucos meses atinge tal reconhecimento e popularidade que o seu cachet e o maior ate então pago a fadistas. Estreia-se no teatro de revista em 1940, como atracção da peca Ora Vai Tu, no Teatro Maria Vitoria. No meio teatral encontra Frederico Valério, compositor de muitos dos seus fados. Em 1943 divorcia a seu pedido. Torna-se então independente. Neste mesmo ano actua pela primeira vez fora de Portugal, pois a convite do embaixador Pedro Teotónio Pereira canta em Madrid. Em 1944 consegue um papel proeminente, ao lado de Hermínia Silva, na opereta Rosa Cantadeira, onde interpreta o Fado do Ciúme de Frederico Valério. Em Setembro, chega ao Rio de Janeiro acompanhada pelo maestro Fernando de Freitas para actuar no Casino Copacabana. Aos 24 anos Amália tem já um espectáculo concebido em exclusivo para ela. A recepção e de tal forma entusiástica que o seu contrato inicial de 4 semanas se prolongara por 4 meses. E convidada a repetir a tournée, acompanhada por bailarinos e músicos. E no Rio de Janeiro que Frederico Valério compõe um dos mais famosos fados de todos os tempos: Ai Mouraria, estreada no Teatro Republica. Grava discos, vendidos em vários países, motivando grande interesse das companhias de Hollywood. Em 1947 estreia-se no cinema com o filme Capas Negras, o filme mais visto em Portugal ate então, ficando 22 semanas em exibição. Um segundo filme, do mesmo ano, e Fado, Historia de uma Cantadeira. Amália e apoiada por artistas nacionalistas como Almada Negreiros e António Ferro. Esse que a convida pela primeira vez a cantar em Paris, no Chez Carrere, e a Londres no Ritz, em festas do departamento de Turismo que o próprio organiza. A internacionalização de Amália aumenta com a participação, em 1950, nos espectáculos do Plano Marshall, o plano de apoio dos EUA a Europa do pós-guerra, em que participam os mais importantes artistas de cada pais. O êxito repete-se por Trieste, Berna,Paris e Dublin (onde canta a canção Coimbra, que, atentamente escutada pela cantora francesa Yvette Giraud a populariza em todo o mundo como Avril au Portugal) . Em Roma, Amália actua no Teatro Argentina, sendo a única artista ligeira num espectáculo em que figuram os mais famosos cantores da chamada musica clássica. Canta em todo os cantos do mundo. Passa pelos Estados Unidos onde canta pela primeira vez na televisão (na NBC), no programa do Eddie Fisher patrocinado pela Coca-Cola, que teve que beber e que não gostava nada. Grava discos de fado e de flamenco. Convidam-na para ficar mas não fica, por que não quer. Amália da ao fado um novo fulgor. Canta o repertório tradicional de uma forma diferente. Sincretisando o que e rural e urbano. Canta os grandes poetas da língua portuguesa (Camões, Bocage) alem dos poetas que escrevem por ela (Pedro Homem de Mello, David Mourão Ferreira, Ary dos Santos, Manuel Alegre, O'Neill). Conhece também Alain Oulmain que lhe compõe varias musicas. O seu fado de Peniche e proibido por ser considerado um hino aos que se encontram presos em Peniche, Amália escolhe também um poema de Pedro Homem de Mello Povo que lavas no rio que ganha uma dimensão politica. Em 1966, volta aos Estados Unidos. Neste mesmo momento seu amigo Alain Oulmain foi preso pela PIDE. Amália da todo o seu apoio ao amigo e tudo faz para que seja liberto e posto na fronteira. Em 1969, Amália e condecorada pelo novo presidente do concelho Marcelo Caetano na Exposição Mundial de Bruxelas antes de iniciar de uma grande digressão a antiga União Soviética. Em 1971, encontra finalmente Manuel Alegre exilado em Paris.
Amália Rodrigues Na chegada da democracia são-lhe prestadas grande homenagens, e condecorada com o grau de oficial da Ordem do Infante D. Henrique pelo então presidente da Republica Mário Soares. Ao mesmo tempo atravessa dissabores financeiros que a obrigam a desfazer-se de algum do seu património . Em 1990, em Franca depois de ter recebido a Ordem das Artes e das Letras receba desta vez das mãos do presidente Mitterrand, a Legion d'Honneur. Ao longo do anos que passam vê desaparecer o seu compositor Alain Oulmain, o seu poeta David Mourão Ferreira e o seu marido César Seabra com quem era casada havia 36 anos. Em 1997 e editado pela Valentim de Carvalho o seu ultimo álbum com gravações inéditas realizadas entre 1965 e 1975 (Segredo). Amália publica um livro de poemas (Versos). É-lhe feita uma homenagem nacional na Feira Mundial de Lisboa (Expo 98). A 6 de Outubro de 1999, Amália Rodrigues morre com 79 anos, pouco depois de regressar da sua casa de ferias no litoral alentejano. No seu funeral centenas de milhares de lisboetas descem a rua para lhe prestar uma ultima homenagem. Sabe-se então que Amália visto por muitos radicais como um dos Fãs da ditadura, colaborara economicamente com o Partido Comunista Português quando era clandestino. Sepultada no Cemitério dos Prazeres, o seu corpo e posteriormente trasladado para o Panteao Nacional, em Lisboa, (após uma pressão dos seus admiradores e uma modificação da lei que exigia um mínimo de 4 anos antes da trasladação) onde repousam as personalidades consideradas expoentes máximos da nacionalidade.
Amália Rodrigues representou Portugal em todo o mundo, de Lisboa ao Rio Janeiro, de Nova Iorque a Roma, de Tokyo a União Soviético, do México a Londres, de Madrid a Paris (onde actuou tantas vezes no prestigiosíssimo Olympia).
Propagou a cultura portuguesa, a Língua Portuguesa e o Fado.